Explicando o final de “Loch Henry”, episódio de Black Mirror

Cena de Black Mirror incluida no segundo episódio da nova temporada; confira nossa explicação para o final de "Loch Henry".

A sexta temporada de “Black Mirror” foi lançada pela Netflix e já é um dos assuntos mais comentado nas redes sociais. À primeira vista, as novas histórias podem parecer distante da proposta original da série. É o caso do segundo episódio, que para muitos espectadores parece não fazer jus à premissa do projeto — mas que, na verdade, “é tão Black Mirror” quanto qualquer outro episódio que já chocou os espectadores dessa produção. Abaixo, confira nossa análise e explicação para o final de “Loch Henry“.

Contextualizando

A história acompanha Davis e sua namorada Pia, que viajam juntos à cidade natal do rapaz para filmarem um documentário sobre um homem que protege uma coleção de ovos rara. Antes de iniciarem os trabalhos, eles resolvem fazer breves passeios na cidade, incluindo uma visita a um pub administrado por Stuart, um amigo de longa data de Davis. No local, Pia comenta que não entende por que não há turistas na cidade, visto que ela tem paisagens belíssimas que naturalmente deveriam atrair diversos visitantes e admiradores.

A curiosidade da cineasta dá início a uma revelação sobre o passado da cidade. Stuart e Davis contam à jovem que, quase três décadas atrás, um homem chamado Iain Adair foi preso acusado de sequestrar e torturar um casal de turistas em 1997. Segundo a história contada pela dupla, o pai de Davis, que atuava como policial na época, foi o responsável por descobrir os crimes do serial killer, que além de assassinar o casal supracitado, também sequestrou e torturou diversas outras pessoas. Davis conta ainda que, no dia em que seu pai confrontou Iain pela primeira vez, ele foi baleado e passou semanas internado em um hospital.

Chocada, mas também instigada pela história, Pia sugere que ela e Davis abandonem o documentário sobre o homem que protege ovos e desenvolvam uma produção contando a história de Iain. A princípio, Davis se mostra resistente à ideia, mas é convencido pela namorada e pela própria mãe a embarcar no projeto. O casal, então, começa a reunir informações, depoimentos e imagens para a confecção do documentário.

Afinal, quem eram os torturadores?

Quando o primeiro corte do documentário fica pronto, Davis e Pia resolvem mostrar o projeto a uma produtora, que convence o casal a incluir algum material inédito sobre o caso, algo que nunca tenha sido explorado por nenhuma outra produção. Eles, então, na companhia de Stuart, decidem visitar a casa onde os crimes praticados por Iain foram cometidos, a fim de capturar imagens inéditas dos requíscios dos crimes que ainda continuam no local.

Após uma noite macraba na casa de Iain, o trio se prepara para retornar a suas casas, mas acabam colidindo o carro com o caminhão dirigido pelo pai de Stuart. Todos eles vão para o hospital, mas apenas Iain e o pai de Stuart ficam em observação, enquanto os demais são liberados pela equipe médica para retornarem a suas casas.

É nesse momento que o pai de Stuart sai de sua ala e vai até a cama de Iain e afirma que o cineasta precisa parar de produzir o documentário porque ele sabe a verdade. Na cena seguinte, agora na casa da mãe de Davis, essa verdade é finalmente revelada. Pia descobre através de fitas cassetes antigas que Kenneth e Janet, os pais de Davis, foram os mentores dos sequestros e das torturas. Eles apenas usavam o porão de Adair para realizarem todos os seus jogos sexuais doentios.

Na época dos crimes, acreditava-se que Iain tinha matado os próprios pais e cometido suicídio após ser descoberto pelas autoridades. Mas, na verdade, Kenneth foi o responsável por matar toda a família Adair. Depois, ele atirou no próprio ombro para simular que havia sido atacado por Iain em um confronto e encobrir seu papel no massacre.

Isso significa que Iain é inocente? Absolutamente não, visto que ele era conivente com todos os crimes praticados por Kenneth e Janet. No entanto, fica evidente que o criminoso mais jovem era orientado pelo casal, e como um deles era policial do local na época, o poder de persuasão sobre Iain era mais efetivo.

Final de Loch Henry, novo episódio de Black Mirror, série da Netflix.
Reprodução: Netflix.

Pia descobriu a verdade por “sorte”?

Quando Davis e Pia decidiram gravar imagens na casa onde os crimes aconteceram, eles optaram por usar uma filmadora VHS, pois acreditaram que se as imagens gravadas parecessem antigas, contribuiriam para a atsmofera do documentário e despertaria mais atenção dos espectadores.

Para isso, eles precisaram pegar algumas fitas de vídeos antigas de Janet para usarem na filmadora. As fitas deveriam conter episódios de “Bergerac”, uma série policial antiga que era a favorita da mãe de Davis décadas atrás. No entanto, quando Pia começa a trabalhar na edição das filmagens daquele dia, as imagens recém-gravadas colidem com as imagens que já continham na fita.

É nesse momento que Pia descobre a verdade, pois a fita que eles usaram para realizar as novas gravações já continham imagens antigas que mostravam Kenneth e Janet torturando pessoas no porão de Iain. Então, sim, a sorte — ou o destino, como preferirem — contribuíram para que a verdade viesse à tona. Afinal, se Davis não tivesse a ideia de filmar tudo em VHS, eles não precisariam usar as fitas de Janet, e os verdadeiros mentores do crime jamais seriam descobertos.

Reprodução: Netflix.

Qual o desfecho dos personagens?

Após descobrir a verdade sobre sua sogra, Pia foge da casa, mas é perseguida por Janet. Tentando escapar das mãos da assassina, ela desce pelas colinas às cegas e acaba sofrendo um acidente, caindo desacordada nas águas de uma cachoeira e, consequentemente, morrendo afogada.

Janet, por sua vez, acreditando que Pia conseguiu escapar com vida, decide retornar para sua casa e tira a própria vida. Antes, no entanto, ela reune todas as fitas que registraram os assassinatos que ela cometeu ao lado do marido no passado. Ela deixa todas as fitas sobre uma mesa para que Davis possa usá-las em seu documentário.

Reprodução: Netflix.

O documentário de Davis, que estava prestes a ser finalizado, dá espaço para a criação de um novo documentário pelo serviço de streaming Streamberry, o mesmo do episódio anterior de “Black Mirror”. O projeto conta a história de como Davis e Pia iniciaram a produção de um documentário que, posteriormente, revelou verdades assustadoras sobre a família de um deles. O filme, intitulado “Loch Henry”, é premiado pelo BAFTA, mas isso obviamente não satisfaz Davis, que precisou perder a namorada e descobrir que tinha pais sádicos para ter seu trabalho reconhecido mundialmente.

Já Stuart, que estava prestes a fechar o pub de seu pai devido à falta de turistas na cidade, viu seu negócio crescer novamente após o lançamento do documentário. Ele não parece se preocupar com tudo que Davis precisou vivenciar para que esse projeto fosse lançado, visando apenas como isso o beneficiou comercialmente.

O significado do episódio

O final de “Loch Henry” relembra como documentários e outras produções inspiradas em casos reais retraram pessoas que realmente vivenciaram aquelas situações. Enquanto muitos espectadores consomem esses materiais em nome do entretenimento e como um mero passatempo, há pessoas que são obrigadas a reviverem suas histórias trágicas contra a própria vontade, apenas para servir como uma distração para outras milhares de pessoas.

É no mínimo curioso que o episódio seja produzido pela Netflixque foi criticada no ano passado após lançar uma série sobre os crimes cometidos por Jeffrey Dahmer. Na época, diversos familiares e amigos das vítimas do assassino protestaram contra o lançamento do projeto, alegando que estavam sendo obrigadas a reviverem um passado trágico que os traumatizam até os dias de hoje.

Cena final de Loch Henry, segundo episódio da sexta temporada de Black Mirror.
Reprodução: Netflix.

Nos dias de hoje, poucas são as produtoras que contam uma história de crime real com o intuito de eternizar as vítimas. A maior parte delas só pensa na audiência que a produção pode obter, não demonstrando o mínimo de preocupação em como essas vidas são representadas — nem com as interpretações que o público terá a partir dessas representações.

Em “Loch Henry“, Davis e Pia queriam fazer um verdadeiro documentário criminal, mas em vez disso, se tornaram objetos de um. Afinal, o que seria de um episódio de “Black Mirror” sem um bons pedaços de ironia?