Explicação de “A Joan É Péssima”, novo episódio de Black Mirror
A aguardada sexta temporada de “Black Mirror” estreou oficialmente nesta quinta-feira (15) na Netflix e, como de costume, tem deixado seus espectadores com mais perguntas que respostas. O primeiro episódio da nova temporada, intitulado “A Joan É Péssima“, não foge à regra.
Contextualizando
A história de “A Joan É Péssima” acompanha Joan, uma mulher comum que trabalha em uma grande empresa, tem um relacionamento estável e, assim como qualquer outra pessoa, tem algumas adversidades na vida. Certo dia, após chegar do trabalho, ela resolve assistir a uma série com seu marido e aleatoriamente se depara com uma produção intitulada “A Joan É Péssima“, protagonizada por uma estrela de TV chamada Salma Hayek.
Ao dar play no título, ela percebe que as cenas da série correspondem a situações que ela vivenciou recentemente em sua vida real. É nesse momento que ela se dá conta que o serviço de streaming, intitulado Streamberry, fez uma série baseada em sua vida sem que ela autorizasse. Devido à exposição dos detalhes mais íntimos de sua vida, Joan acaba perdendo sua carreira, seu noivo e até seu ex-namorado, com quem ela mantinha contato mesmo dois anos após o término. O mais curioso é que situações que foram vivenciadas por Joan minutos atrás já aparecem nas cenas da série, o que a faz se questionar como é possível que a produção consiga reproduzir as cenas em um tempo tão curto.
Ao contatar sua advogada, Joan descobre que não há nada a se fazer, pois quando ela assinou o serviço de streaming, ela aceitou os “termos e condições” da plataforma, e lá constava que a empresa poderia produzir qualquer material inspirado na vida de seus assinantes — incluindo modificar os acontecimentos reais a fim de dramatizá-los e chamarem mais atenção dos espectadores. Ou seja, além da Streamberry legalmente estar autorizada a produzir uma série baseada na vida de Joan, a plataforma tinha o direito de modificar a realidade da forma como bem entendesse.
Não bastasse, Joan também descobre que Hayek, a atriz que a interpreta na série, não está atuando de fato. Na verdade, Hayek emprestou sua imagem para que a Streamberry usasse seu rosto nas produções criadas por um computador quântico, um recurso avançado e sofisticado que permite elaborar visuais inspirados em eventos que acontecem na vida real. Mesmo assim, Joan tenta chamar a atenção de Hayek. Para isso, ela consome diversos fast foods, toma laxantes e se dirige a um casamento vestida de líder de torcida. Na cerimônia, ela defeca na igreja diante de todos os convidados. A cena é incluída na série baseada na vida de Joan, o que deixa Hayek furiosa por ter sua imagem associada a um verdadeiro vexame.
Hayek tenta romper o contrato com o serviço de streaming, mas descobre que é impossível e que sua imagem continuará sendo associada a qualquer ação realizada por Joan. Ela, então, vai até a casa de Joan encontrar uma solução para o problema mútuo, e juntas elas concluem que a única maneira de parar a Streamberry é destruindo o computador quântico responsável por criar a série para o streaming.
Como a Joan autorizou a produção da série?
Quando uma pessoa adquire qualquer produto virtualmente, ela precisa aceitar os “termos e condições” da empresa que está comercializando aquele item. Acontece que a maioria das pessoas aceita essa espécie de documento sem lê-lo, se esquivando das inúmeras páginas e dos termos burocráticos presentes no material. Na série, ao assinar o Streamberry, Joan aceitou os “termos e condições” da empresa, sem imaginar que existia uma cláusula no documento alegando que os assinantes da plataforma, ao adquirirem o serviço, permitiam que a Streamberry produzisse qualquer filme ou série baseado em sua vida pessoal.
Como os episódios eram produzidos tão rápidos?
Uma das maiores questões em “A Joan É Péssima” é como a Streamberry foi capaz de criar a série, já que cada episódio reproduzia exatamente as situações que Joan vivenciou naquele mesmo dia. Acontece que a plataforma de streaming contou com algoritmos, câmeras e microfones de aparelhos celulares e computadores a fim de coletar o máximo de informações possíveis sobre a rotina de Joan. Mais detalhamente, os microfones eram responsáveis por coletar os diálogos, enquanto as câmeras eram responsáveis por registrar os ambientes em que os diálogos aconteciam, assim como os visuais de cada personagem.
Quantas Joan existem?
Uma das maiores reviravoltas do episódio revela que a Joan que o espectador acompanhou durante todo o episódio não era a real. Ela, na verdade, estava interpretando uma outra Joan, que também estava interpretado uma outra Joan, em um ciclo infinito de um multiverso. Em resumo, há cinco diferentes Joan’s apresentadas no episódio, sendo elas:
1. Joan Fonte — que assiste sua vida interpretada por uma atriz chamada Annie Murphy.
2. Annie Murphy — atriz que emprestou sua imagem ao streaming, interpretando a Joan Fonte.
3. Joan protagonista — que assiste sua vida interpretada por uma atriz chamada Salma Hayek.
4. Salma Hayek — que assiste sua vida sendo interpretada por Cate Blanchett.
5. Cate Blanchett — quem a interpreta não é revelada na série.
No entanto, como o roteiro indica em uma das cenas finais do episódio, há bilhões de Joan dentro do multiverso criado pela Streamberry, sendo as cinco acima as únicas cujos rostos foram apresentados aos espectadores.
O que aconteceu com a verdadeira Joan?
A Joan real, intitulada no episódio de Joan Fonte, foi levada presa pela polícia junto de Annie Murphy, a atriz que a interpretou no primeiro nível do multiverso.Queiram elas ou não, ambas aceitaram os termos e condições da Streamberry: Joan Fonte quando assinou o serviço de streaming e Annie Murphy quando fechou o contrato para emprestar sua imagem à plataforma. Ou seja, destruírem o computador quântico é, dentro da narrativa, um crime e não há justificativa legal para que elas o cometessem.
Na cena final, que destaca Annie e Joan Fonte conversando no estabelecimento da vítima, é possível notar que as duas estão usando tornozeleiras eletrônicas, concluindo-se que ambas estão cumprindo prisão domiciliar. Apesar disso, é notório que a experiência foi responsável por criar uma relação de afeto entre as duas, que se tornaram grandes amigas.
O significado do episódio
“A Joan É Péssima” enfatiza como a mídia distorce informações e as vende como “fatos”, sem se importar com os danos causados às pessoas, se preocupando apenas com a obtenção de lucro. O episódio exemplifica como eventos da vida real são apresentados com várias mudanças, a fim de vilanizar determinadas pessoas e torná-las seres humanos “horríveis” pro senso popular.
A série mostra ainda como existem pessoas maldosas que se aproveitam dessa distorção de fatos para demonizar aqueles com quem tem atrito. A personagem Sandy, por exemplo, que foi demitida do trabalho pela Joan, imediatamente compra a ideia de que a chefe é “péssima e rude”, embora ela saiba muito bem que Joan não foi ácida quando a demitiu.
“A Joan É Péssima” também tira sarro de como quase ninguém perde tempo lendo os famosos “termos e condições”, assim como aproveita a deixa para destacar como as empresas tiram proveito de seus clientes, pois sabem que eles não perdem tempo lendo o documento. “Black Mirror” aborda ainda como algoritmos, câmeras e microfones dos mais variados dispositivos são, apesar de ferramentas úteis, recursos invasivos. Afinal, nestes tempos modernos, a privacidade tornou-se um privilégio e quase ninguém pode mais tê-la.
Como muitos outros episódios de “Black Mirror“, essa explicação de “A Joan É Péssima” deixa evidente que a história é um conto preventivo de quão longe a sociedade e a tecnologia foram e até onde ainda podem ir, bem como a sociedade se tornou insensível nos últimos anos. É verdade que a Joan Fonte teve um final feliz, mas ela teve que passar pelo inferno até chegar lá.
Os cinco episódios da sexta temporada de “Black Mirror“, assim como as cinco primeiras temporadas da série, estão disponíveis na Netflix.