Explicação de “Demônio 79”, episódio de Black Mirror

A sexta temporada de “Black Mirror” é, sem sombra de dúvidas, uma das mais inovadoras da história da série. O episódio final da temporada, intitulado “Demônio 79“, prova isso ao se transportar para um reino de fantasia retrô, longe da distopias tecnológicas e sátiras da mídia que a série explorou anteriormente.

Contextualizando

A história se passa em 1979 e acompanha Nida, uma balconista de uma loja de departamentos que é menosprezada e vítima de racismo diariamente no trabalho. Certo dia, após ser rebaixada a comer no porão da loja, ela descobre um talismã com um símbolo misterioso. Acontece que o objeto é mais do que apenas uma bugigana peculiar — ele evoca um demônio sobrenatural chamado Gaap, que rapidamente assume a forma de fabuloso astro de discoteca Bobby Farrell, astro admirado por Nida.

Ele informa à Nida que se ela não realizar três sacrifícios humanos nos próximos três dias, o fim do mundo acontecerá na forma de um apocalipse nuclear de fogo. Para convencê-la de que ela, uma mulher inocente que jamais se envolveu em qualquer tipo de situação criminosa, precisa realizar a sequência de assassinatos, Gaap afirma que três mortes não é grande coisa se comparado à extinção de bilhões de pessoas.

Como Nida escolheu suas vítimas?

Convencida de que a salvação do mundo depende exclusivamente dela, Nida conta com a ajuda de Gaap para escolher suas vítimas. O demônio oferece visões à balconista, permitindo que ela enxergue terríveis atos praticados por algumas pessoas no passado. Dessa forma, ela escolhe matar apenas aqueles que já feriram outras pessoas anteriormente, a fim de aliviar o sentimento de culpa após os assassinatos.

A primeira vítima de Nida é um homem que ela encontra passeando com um cachorro. Através de uma visão, ela descobre que ele abusa da própria filha de oito anos de idade, e o atinge com uma tijolada na cabeça. Ele cai em um lago e, consequentemente, morre afogado.

Confira a explicação do final de Demônio 79, episódio de Black Mirror.
Reprodução: Netflix.

A segunda vítima da mulher é Keith Holligan, um assassino que ficou famoso após matar a própria esposa. Ela forja um encontro com o homem e, na casa dele, o mata com um martelo. A terceira e, teoricamente, última vítima de Nida é Chris Holligan, irmão de Keith que é morto apenas como queima de arquivo.

No entanto, os patrões de Gaap comunicam ao demônio que a segunda vítima de Nida, o terrível Keith, não teve sua morte validada pois ele já era um assassino. Os “superiores” não contam mortes de assassinos visto que eles já “jogam pelo time da casa”, por assim dizer.

Nida, então, é obrigada a escolher uma nova vítima e após pensar muito, decide atingir um novo cliente da loja em que trabalha, Michael Smart, um candidato conservador ao MP que está destinado a causar morte e destruição com suas políticas fascistas.

Nida conseguiu completar a missão?

Após deixar rastros dos seus primeiros assassinatos, Nida começou a ser investigada pela polícia. Quando estava prestes a executar Michael Smart, ela foi flagrada por um policial que a estava seguindo, sendo impedida de executar a terceira morte antes do tempo previsto e, consequentemente, não completando a missão.

Ela é levada à delegacia e presta seu depoimento explicando que foi coagida por um demônio a realizar os crimes. Os policiais não parecem dar muito crédito ao discurso da acusada, até que eles avistam, pelas janelas do prédio, que o mundo está em chamas e que todo o discurso de Nida era verídico.

Nida é a primeira pessoa encarregada de impedir o apocalipse?

Quando Nida encontra o talismã no porão da loja, ela também se depara com antigos recortes de jornal e lê manchetes de três curiosas mortes: um dono de pub que morreu em um incêndio, um operário que foi esmagado em um desabamento e uma mulher que desapareceu misteriosamente. Essa cena sugere que essas três pessoas foram vítimas de Geoffrey Possett, fundador da loja onde Nida trabalha, no passado.

Explicação de Demônio 79, episódio final da sexta temporada de Black Mirror.
Reprodução: Netflix.

Ele provavelmente descobriu o talismã misterioso, foi coagido pelo demônio a realizar os assassinatos e, aparentemente, conseguiu executar a missão com sucesso, visto que uma quarta manchete de jornal informa que no dia primeiro de maio a cidade estava realizando uma celebração local. Anos depois, Nida encontrou o mesmo talismã, foi coagida a realizar a mesma missão, mas diferente de Possett, não conseguiu completá-la com maestria.

Afinal, como o mundo acaba?

Apesar do episódio referenciar o fim do mundo ao apocalipse bíblico, a devastação populacional tá diretamente associada a uma guerra entre tensões políticas. Como Gaap diz em um trecho, “É assim que está se manifestando”. Ou seja, caso Nida tivesse completado a missão, as forças sobrenaturais iriam achar um jeito de interferir nesse contexto de Guerra Fria e impedir que o mundo acabasse. No entanto, com o fracasso da missão, nada pôde ser feito e o fim do mundo se manifestou através de ataques nucleares.

O que acontece com Gaap?

Com o fracasso de Nida, Gaap também falha em sua iniciação no demonismo, então ele será enviado para o “esquecimento eterno”. No entanto, Gaap descobre que não há regras contra trazer companheiros para o local, então ele convida Nida para acompanhá-lo no passeio sem fim. Eles se olham, Nida dá um sorriso sedutor e concorda em segui-lo. Aparentemente, os dois vão se divertir juntos no esquecimento eterno.

Cena final de Demônio 79, episódio de Black Mirror, série da Netflix.
Reprodução: Netflix.

Esse é mesmo um episódio de “Black Mirror”?

Charlie Brooker, criador da série, comentou sobre o que pode vir a ser o episódio mais controverso da história da série. “Espero que seja divisivo – o que é metade da diversão! Mas acho que é absolutamente consistente com o que Black Mirror é, mesmo que não seja o que o público espera. E, claro, ‘não ser o que o público espera’ é muito Black Mirror em si”, declarou ele.

O significado do episódio

Fazendo uma alusão ao título do episódio, a história evidencia a demonização dos imigrantes e de suas crenças, sempre associados à uma figura maléfica e tendo todos os seus medos descredibilizados. Por muito tempo, os estrangeiros eram vistos como o mal da sociedade, quando na verdade essas pessoas são representadas por assassinos, estupradores, pedófilos e políticos que apoiavam a eugenia, a discriminação e o fascismo.

No entanto, sempre que essas pessoas usavam sua voz para externalizar os verdadeiros vilões da sociedade, eles eram presos e muitas vezes exterminados pela polícia e política da época, que se negavam a ouvir suas reclamações. Ou seja, é fato que tudo desmoronou no final de “Demônio 79“, no entanto, se olhássemos para Nida antes do fim do mundo, talvez já pudéssemos notar um apocalipse infernal na vida pessoal da imigrante.