Veja o trecho do livro “Como Eu Era Antes de Você” em que Louisa conta a Will que foi estuprada

Louisa e Will Traynor em cena do filme Como Eu Era Antes de Você.

Recentemente, publicamos uma matéria sobre um trágico fato presente no livro “Como Eu Era Antes de Você“. Se trata de uma cena em que Louisa conta a Will que foi estuprada quando mais jovem. A cena foi retirada do filme pois, segundo a autora Jojo Moyes, sempre que eles tentavam incluir isso na trama, a carga dramática se tornava excessiva e o foco da história parecia mudar.

A pedidos de leitores do site, resolvemos trazer a cena completa do livro que aborda essa questão. No momento, Will convida Louisa para uma brincadeira que ele costumava fazer quando mais novo, que consistia em percorrer um labirinto e tentar lembrar o caminho de volta durante o trajeto de ida.

A princípio, Louisa não aprova a ideia, mas é convencida por Will a participar da brincadeira. Ela tenta mentalizar pensamentos positivos enquanto caminha pelo labirinto, mas logo é dominada pelo medo e por lembranças de um episódio do passado que aconteceu naquele mesmo labirinto.

A cena é narrada em primeira pessoa por Louisa e o diálogo entre os personagens pode despertar gatilhos e/ou causar desconforto em alguns leitores.

Leia:

— Vamos percorrer o labirinto. Não faço isso há séculos. — disse Will.
— Ah. Não, obrigada. — Dei uma olhada, notando de repente onde estávamos.
— Por quê? Tem medo de se perder? Vamos lá, Louisa. Será um desafio para você. Veja se consegue decorar o caminho de ida, então, depois, é só fazer o caminho contrário para voltar. Vou cronometrar seu tempo. Eu sempre fazia isso.

Lancei um olhar para trás, em direção à casa.

— Eu realmente prefiro não ir. — Só de pensar naquilo, fiquei com um nó no estômago.
— Ah. Mantendo-se na zona de conforto de novo.
— Não é isso.
— Está bem. Faremos nossa caminhada chata e voltaremos para o pequeno anexo chato.

Dei uma olhada no labirinto com suas escuras e densas sebes bem-aparadas. Eu estava sendo ridícula. Talvez estivesse me comportando de forma ridícula havia anos. Afinal, tudo aquilo tinha acabado. E eu estava seguindo em frente.

— Vamos, por favor. Basta se lembrar de cada lado que você escolher, depois fazer o caminho inverso para sair. Não é tão difícil quanto parece. De verdade.

Respirei fundo e entrei, passando pela placa que avisava “Proibido a crianças desacompanhadas”, caminhando rapidamente por entre as sebes escuras e úmidas, que ainda brilhavam com as gotas de chuva. Não é tão ruim, não é tão ruim, peguei a mim mesma murmurando. São só uma porção de velhas sebes. Virei à direita, depois à esquerda, por um buraco na sebe. Outra vez à direita, à esquerda e, enquanto ia em frente, ensaiava na cabeça o caminho da volta, pensando por onde eu havia passado. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda.


Meu batimento cardíaco começou a aumentar um pouco, por isso eu conseguia ouvir o bombear do sangue em meus ouvidos. Forcei-me a pensar em Will do outro lado da sebe, olhando o relógio. Era só uma prova boba. Eu não era mais aquela garota ingênua. Tinha vinte e sete anos. Morava com o namorado. Tinha um trabalho de responsabilidade. Era outra pessoa.

Virei, segui direto e virei de novo.

E então, saído praticamente do nada, o pânico me invadiu como fel. Achei que tinha um homem andando rápido em minha direção no àm da sebe. Embora eu tenha dito a mim mesma que era só minha imaginação, ter me concentrado para me tranquilizar me fez esquecer as instruções para o caminho de volta. Direita. Esquerda. Buraco. Direita. Direita? Eu tinha pegado o caminho errado ali? O ar àcou preso na minha garganta. Eu me obriguei a seguir em frente, apenas para perceber que havia perdido completamente meu senso de orientação. Parei e olhei ao redor, na direção das sombras, tentando descobrir para que lado ficava o oeste.

E fiquei ali até concluir que não podia fazer aquilo. Não podia continuar. Eu me virei rapidamente e comecei a andar para onde achei que era o sul. Eu ia conseguir sair. Tinha vinte e sete anos. O que era ótimo. Mas então, ouvi a voz deles, os risos de zombaria. Vi-os, entrando e saindo dos vãos das sebes rapidamente, senti meus pés balançarem como pés de bêbado nos meus saltos, o inesquecível espetar da sebe quando caí em cima dela, tentando me equilibrar.

— Quero sair já — disse a eles, com voz pastosa e insegura. — Chega!

Todos tinham sumido. O labirinto estava silencioso, havia apenas os sussurros distantes que poderia ser deles do outro lado da sebe — ou poderia ser o vento deslocando as folhas.

— Quero sair já — eu tinha dito, minha voz soando insegura até mesmo para mim. Eu tinha lançado um olhar para o céu, àquei meio desequilibrada devido ao enorme e escuro espaço acima de mim. E então tinha pulado quando alguém me agarrou pela cintura — o de cabelos escuros. Aquele que tinha ido à África.
— Não pode ir ainda — disse ele. — Vai estragar a brincadeira.

Eu soube, então, só pelo toque de sua mão em minha cintura. Percebi que alguma coisa tinha mudado, que algum tipo de limite tinha começado a evaporar. E ri, empurrada por suas mãos como se fosse uma brincadeira, não querendo que ele soubesse que eu sabia. Eu o ouvi gritar por seus amigos. E escapei dele, correndo de repente, lutando para tentar achar a saída, os pés afundando na grama úmida. Eu escutava todos eles ao me redor, suas vozes elevadas, seus corpos escondidos, e senti minha garganta se apertar de pânico. Estava desorientada demais para me localizar. As sebes altas continuaram balançando, me espetando. Continuei em frente, virando nas esquinas, tropeçando, olhando esquivamente pelas frestas, tentando me afastar da voz deles. Mas a saída não chegava. Para todo canto que eu virava, havia mais uma extensão de sebe, outra voz zombeteira.

Tropecei numa fresta, exultante por um momento porque estava perto da liberdade. Mas então eu vi que estava de volta ao centro do labirinto, outra vez no lugar onde tinha começado. Eu me encolhi ao vê-los todos parados ali, como se estivem simplesmente à minha espera.

— Aí está você — disse um deles, e sua mão agarrou meu braço. — Eu disse que ela estava pronta para isso. Venha, Lou-Lou, me dê um beijo e eu mostro a saída. — A voz era suave e arrastada.
— Dê um beijo em todos nós e todos nós mostraremos a saída. A cara deles era um borrão.
— Só quero… só quero que vocês…
— Ora, Lou. Você gosta de mim, não gosta? Passou a tarde toda sentada no meu colo. Um beijo. Custa muito fazer isso?

Ouvi um risinho abafado.

— E você mostra como eu saio daqui? — Minha voz soava patética até para mim.
— Só um beijo. — Ele se aproximou.

Senti sua boca na minha, uma mão apertando minha coxa. Ele se afastou e ouvi o curso de sua respiração mudar.

— Agora é a vez de Jake.

Não sei o que eu disse então. Alguém segurou meu braço. Ouvi a risada, senti uma mão nos meus cabelos, outra boca na minha, insistente, invasiva e então…

— Will…

Eu estava soluçando agora, encolhida.

— Will — Eu estava dizendo seu nome várias vezes, minha voz falhava, vindo de algum lugar do meu peito. Ouvi-o num lugar distante, do outro lado da cerca.
— Louisa? Louisa, onde você está? Qual o problema?

Eu estava no canto, o mais embaixo da sebe que consegui. As lágrimas nublavam meus olhos, eu apertava os braços àrmemente ao meu redor. Não conseguia sair. Ficaria presa ali para sempre. Ninguém iria me achar.

— Will… — Onde você…?

E ali estava ele, na minha frente.

— Desculpe. — Olhei para ele com o rosto contraído. — Desculpe. Não consigo… fazer isso…

Will moveu seu braço alguns centímetros, o máximo que conseguia.

— Ah, meu Deus, o quê…? Venha cá, Clark. — Ele se adiantou, depois olhou para o braço, frustrado. — Porcaria inútil… Está tudo bem. Apenas respire. Venha cá. Apenas respire. Devagar.

Sequei os olhos. Ao vê-lo, o pânico começou a diminuir. Levantei-me, insegura, tentei recompor meu rosto.

— Desculpe… não sei o que houve.
— Você tem claustrofobia? — O rosto dele, a centímetros do meu, estava cheio de preocupação. — Vi que você não queria. Eu só… eu só pensei que você estava sendo…

Fechei os olhos.

— Eu só quero ir embora agora.
— Segure a minha mão. Vamos sair.

Ele me tirou de lá em minutos. Conhecia o labirinto pelo avesso, ele disse enquanto caminhávamos, sua voz calma, confiante. Fora um desafio para ele, quando era menino, aprender a sair dali. Entrelacei meus dedos nos dele e senti o calor de sua mão como algo reconfortante. Eu me senti idiota quando percebi que, o tempo todo, estava muito perto da entrada. Paramos num banco do lado de fora e procurei por um lenço na parte de trás da cadeira. Ficamos lá em silêncio, eu na ponta do banco ao lado dele, nós dois esperando que os meus soluços diminuíssem.
Ele ficou ali, lançando olhares de soslaio para mim.

— Então…? — perguntou, por àm, quando pareceu que eu poderia falar sem desmoronar outra vez. — Pode me dizer o que houve?

Torci o lenço nas mãos.

— Não consigo.

Ele fechou a boca. Engoli em seco.

— Não foi você — disse eu, apressada. — Não contei a ninguém… É… é bobagem. E faz muito tempo. Não pensei que… que eu fosse…

Senti seus olhos sobre mim, mas eu queria que ele não me olhasse. Minhas mãos não paravam de tremer e meu estômago parecia estar amarrado por um milhão de nós. Balancei a cabeça, tentando dizer que havia coisas que eu não podia contar. Queria segurar na mão dele outra vez, mas achava que não devia. Estava ciente do seu olhar, quase podia ouvir suas perguntas não feitas. Atrás de nós, dois carros tinham parado perto dos portões. Duas pessoas saltaram dos carros — dali, era impossível ver quem — e se abraçaram. Ficaram assim um tempo, talvez conversando, depois entraram de novo em seus carros e foram embora em direções opostas. Eu as observei, mas não conseguia pensar. Minha mente parecia congelada. Não sabia mais o que dizer sobre nada.

— Certo. Escute uma coisa — Will falou, por fim.

Virei-me, mas ele não estava olhando para mim.

— Vou contar uma coisa que não conto a ninguém. Certo?
— Certo. — Apertei o lenço na mão, fazendo dele uma bola, à espera.
Ele respirou fundo.
— Tenho muito, muito medo de como as coisas vão ficar. — Deixou a frase se assentar no ar entre nós e, então, em voz baixa e calma, continuou. — Sei que a maioria das pessoas acha que viver como eu é a pior coisa que pode acontecer. Mas poderia ser pior. Eu poderia não conseguir respirar sozinho, poderia não falar. Poderia ter problemas circulatórios que me obrigariam a amputar braços e pernas. Poderia viver hospitalizado indeànidamente. Isso não é lá uma vida, Clark. Mas quando penso em como poderia ser pior… há noites em que me deito na cama e realmente não consigo respirar.

Engoliu em seco.

— E sabe o quê? Ninguém quer ouvir esse tipo de coisa. Ninguém quer ouvir você falar que está com medo, ou com dor, ou apavorado com a possibilidade de morrer por causa de alguma infecção aleatória e estúpida. Ninguém quer ouvir sobre como é saber que você nunca mais fará sexo, nunca mais comerá algo que você mesmo preparou, nunca vai segurar seu próprio filho nos braços. Ninguém quer saber que às vezes me sinto tão claustrofóbico estando nesta cadeira que tenho vontade de gritar feito louco só de pensar em passar mais um dia assim. Minha mãe está por um ào e não me perdoa por ainda amar meu pai. Minha irmã se ressente pelo fato de que, mais uma vez, eu àz sombra para ela — e porque minhas lesões significam que ela não pode me odiar propriamente, como ela faz desde que éramos pequenos. Meu pai só quer que tudo isso acabe. Nos últimos tempos, eles só querem ver o lado positivo. Precisam que eu também veja.

Ele parou.

— Precisam acreditar que existe um lado positivo.

Fechei os olhos no escuro.

— Eu também faço isso? — perguntei, baixo.
— Você, Clark — ele olhou para as mãos —, é a única pessoa com quem eu sinto que posso falar desde que eu acabei nesta porcaria.

E então eu contei para ele.

Segurei a mão dele, a mesma que tinha me tirado do labirinto, olhei diretamente para meus pés, e respirei fundo e contei a ele sobre aquela noite toda, e sobre como eles riram de mim e zombaram de como eu estava bêbada e chapada, e como eu desmaiei e depois minha irmã disse que na verdade isso tinha sido até bom, não me lembrar de tudo o que eles fizeram, mas como aquela meia hora de desconhecimento me assombrava desde então. Eu a completei, sabe. Eu a completei com as risadas, o corpo deles e as palavras deles. Eu a completei com a minha humilhação. Contei a ele como eu via o rosto deles sempre que ia a qualquer lugar fora da cidade, e como Patrick e meus pais e a minha vidinha tinham bastado para mim, com todos os seus problemas e limitações. Eles tinham feito eu me sentir segura. Quando terminamos a conversa, o céu tinha escurecido e havia quatorze mensagens no meu celular perguntando onde estávamos.

— Você não precisa que eu lhe diga que a culpa não foi sua — garantiu ele, calmo.

Acima de nós, o céu tinha se tornado infindável e infinito. Torci o lenço nas mãos.

— É. Bom. Ainda me sinto… responsável. Bebi demais para me exibir. Fui muito oferecida. Fui…
— Não. Eles foram os responsáveis.

Ninguém nunca tinha me dito aquilo com todas as letras. Mesmo o olhar solidário de Treena sustentava uma acusação tácita. Bom, se você fica bêbada e age como boba com homens que não conhece…
Seus dedos apertaram os meus. Um gesto vago, mas que era real.

— Louisa. Não foi sua culpa.

Então eu chorei. Sem soluçar desta vez. As lágrimas saíam em silêncio e me diziam que mais alguma coisa estava me deixando. Culpa. Medo. E algumas outras coisas para as quais eu ainda não tinha encontrado nomes. Encostei minha cabeça de leve no ombro dele e ele inclinou a dele até que estivesse repousada sobre a minha.

— Certo. Está me ouvindo?

Murmurei um sim.

— Então vou dizer uma coisa boa — anunciou ele, e esperou, como se quisesse ter certeza de que tinha minha atenção. — Alguns erros… apenas têm consequências maiores que outros. Mas você não precisa deixar que aquela noite seja aquilo que define quem você é.

Senti a cabeça dele balançar contra a minha.

— Você, Clark, tem a escolha de não deixar isso acontecer.

O suspiro que saiu de mim então foi longo e trêmulo. Ficamos lá em silêncio, deixando que as palavras dele afundassem. Eu poderia ter ficado ali a noite inteira, acima do resto do mundo, o calor da mão de Will na minha, sentindo que o pior começava a escoar devagar de dentro de mim.

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